Nota de Repúdio
Nota de Repúdio
A Diretoria da Associação de Ginecologia e Obstetrícia de Mato Grosso do Sul (SOGOMAT- SUL) vem, publicamente, repudiar e discordar da PORTARIA No 2.282, DE 27 DE AGOSTO DE 2020, do Ministério da Saúde, que dispõe “sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS”.
Especialmente nos artigos 1o e 8o, a referida portaria é inconvencional, inconstitucional e ilegal.
O artigo 1o torna obrigatória a notificação do estupro à autoridade policial pelo médico, demais profissionais ou estabelecimentos de saúde. A SOGOMAT-SUL entende ser fundamental que a denúncia ocorra por decisão única da mulher, respeitando seu direito ao sigilo, privacidade e autonomia.
A notificação compulsória, à autoridade policial, feita pelo serviço médico, deixa a vítima mais vulnerável. Além disso, contraria a legislação sobre o tema, uma vez que o sigilo médico é um direito, amparado pelo artigo 5o da Constituição Federal, pelo artigo 154 do Código Penal e pelo Código de Ética Médica.
Já o artigo 8o da portaria obriga a equipe médica a informar sobre a possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia. O exame é importante para datar a gestação, mas não deve ser usado em nenhuma hipótese para obrigar a paciente ao constrangimento de observar as imagens.
A SOGOMAT-SUL sustenta que exames complementares possuem indicações estabelecidas, que não incluem a simples visualização de imagens. Acredita também que, em casos de abordagem a vítimas de estupro, o profissional da saúde tem o papel de ser um facilitador do processo e não o contrário. A opção de visualizar a ultrassonografia pode trazer dor e angústia. Parece mais ter o intuito de desmotivar a mulher de escolher um procedimento já garantido por lei.
Diante do exposto, a SOGOMAT-SUL considera que a portaria afronta à autonomia, à autodeterminação, à intimidade, à confidencialidade e ao consentimento prévio e livre, bem como fere a liberdade reprodutiva e atendimento humanizado, princípios fundamentais do SUS. A norma também representa um retrocesso aos direitos humanos e a política pública de enfrentamento à violência sexual de meninas, adolescentes e mulheres, que precisam se sujeitar a entraves e burocracias para exercer seu direito de interrupção legal da gravidez.
A SOGOMAT-SUL conclama que os gestores responsáveis revoguem e editem nova portaria. Apela também, em outra frente, aos parlamentares do Congresso Nacional para que façam tramitar projetos, com a urgência necessária, que tornem sem efeito tal portaria. Por fim, cabe aproveitar a presente discussão para sugerir que as faculdades de Medicina de todo Brasil façam um aprimoramento em suas grades curriculares nos conteúdos voltados ao abortamento legal e ao protocolo de atendimento às vítimas de estupro. É preciso priorizar o tema com métodos mais eficazes e assertivos, a fim de formar profissionais mais preparados para lidar com tais situações.